SÃO JOÃO DAMASCENO - VIDA E OBRA
Religioso e filósofo árabe. Doutor das igrejas grega e romana.
As sínteses teológicas escritas por são João Damasceno, doutor das igrejas grega e romana, foram um importante elo de ligação entre a doutrina cristã grega e a escolástica medieval.
João Damasceno nasceu por volta do ano 675, em Damasco, cidade que os árabes haviam arrebatado ao império bizantino quarenta anos antes. Era filho de um funcionário grego do califado, provavelmente coletor de impostos, tarefa em que sucedeu ao pai. Ainda ocupava esse cargo quando, por volta do ano 730, escreveu seus três Discursos sobre as sagradas imagens, em que defendia a veneração das imagens, contra os editos do imperador bizantino Leão III e os iconoclastas (destruidores de imagens). Pouco depois, retirou-se para o mosteiro de Mar Saba, perto de Jerusalém, onde passou o resto da vida entregue a estudar, escrever e pregar.
Escreveu cerca de 150 obras, nas quais pretendia ser o eco fiel das escrituras. “Nada digo que seja meu”, afirmou em seu livro fundamental, A fonte do conhecimento, síntese da filosofia e da doutrina cristã que tornou-se a principal obra da teologia ortodoxa grega. Compõe-se de três partes: a primeira é filosófica (sobre Aristóteles); a segunda, histórica (sobre heresias); e a terceira, teológica. Esta é a mais conhecida e expõe de forma sistemática o pensamento dos escritores eclesiásticos dos primeiros séculos, agrupando os argumentos teológicos por temas, como a existência e a natureza de Deus, o livre-arbítrio etc. A tradução latina dessa parte da obra exerceu, a partir do século XII, grande influência sobre a escolástica. São João Damasceno faleceu no mosteiro de Mar Saba, em 4 de dezembro de 749.
Antologia de Textos Homiléticos
«A Virgem Maria, 'imagem da Igreja futura […]
que guia e sustenta a esperança do teu povo'»
I Homilia sobre a Dormição, 11-14
Ó Mãe de Deus, sempre virgem, a tua sagrada partida deste mundo é verdadeiramente uma passagem, uma entrada na morada de Deus. Saindo deste mundo material, entras numa “pátria melhor” (Heb 11, 16). O céu acolheu com alegria a tua alma: “Quem é esta, que surge como a aurora, bela como a lua, brilhante como o sol?” (Cant 6, 10) “O rei introduziu-te nos seus aposentos” (Cant 1, 4) e os anjos glorificam aquela que é a Mãe do seu próprio Senhor, por natureza e em verdade, segundo o plano de Deus. […]
Os apóstolos levaram o teu corpo sem mancha, o teu corpo, verdadeira arca da aliança, e depositaram-no no seu santo túmulo. E aí, como que passando outro Jordão, tu chegaste à verdadeira Terra prometida, à “Jerusalém lá do alto” (Gal 4, 26), de que Deus é arquitecto e construtor. Porque a tua alma não desceu “à habitação dos mortos”, nem “a tua carne conheceu a decomposição” (Act 2, 31; Sl 15, 10). O teu corpo puríssimo, sem mácula, não foi abandonado à terra, antes foste elevada até à morada do Reino dos Céus, tu, a Rainha, a Soberana, a Senhora, a Mãe de Deus, a verdadeira Theotokos.
Hoje aproximamo-nos de ti, a nossa Rainha, Mãe de Deus e Virgem; voltamos a nossa alma para a esperança que és para nós. […] Queremos honrar-te com “salmos, hinos e cânticos espirituais” (Ef 5, 19). Ao honrar a serva, exprimimos a nossa ligação ao nosso Senhor comum. […] Lança os teus olhos sobre nós, ó Rainha, Mãe do nosso bom Soberano; guia o nosso caminho até ao porto sem tempestades do desejo bom de Deus.
* * * * *
«Vosso Pai, que está no céu, não quer que se perca um só destes pequeninos»
Exposição sobre a fé
Vós me formastes, Senhor, do corpo de meu pai; Vós me formastes no ventre de minha mãe; Vós me fizestes sair à luz, menino e nu, porque as leis da natureza seguem sempre os vossos preceitos. Com a bênção do Espírito Santo preparastes a minha criação e a minha existência, não por vontade do homem, nem por desejo da carne (Jo 1, 13), mas pela vossa graça inefável. Preparastes o meu nascimento com cuidado superior ao das leis naturais, fizestes-me sair à luz do dia adoptando-me como vosso filho (Gl 4, 5) e me contastes entre os filhos da vossa Igreja santa e imaculada.
Vós me alimentastes com o leite espiritual dos vossos ensinamentos. Vós me sustentastes com o vigoroso alimento do Corpo de Cristo, nosso Deus, Filho Unigénito, e me embriagastes com o cálice divino do seu Sangue vivificante que Ele derramou pela salvação de todo o mundo.
Porque vós, Senhor, nos amastes e nos destes o vosso único e amado Filho para nossa redenção, que Ele aceitou voluntária e livremente... E assim, Senhor Jesus Cristo, meu Deus, Vos humilhastes para me levardes aos ombros como ovelha perdida e me apascentastes em verdes pastagens (Sl 22, 2); Vós me alimentastes com as águas da verdadeira doutrina por meio de vossos pastores, aos quais Vós mesmo alimentais, para que, por sua vez, alimentem a vossa grei, escolhida e nobre.
«Eis que lhes apareceram Moisés e Elias que falavam com Ele»
Homilia sobre a Transfiguração do Senhor
"Uma núvem luminosa cobriu-os com a sua sombra" e os discípulos foram tomados de grande temor vendo Jesus, o Salvador, com Moisés e Elias na núvem. Outrora, é certo, quando Moisés viu Deus, entrou na núvem divina (Ex 24,18), dando assim a compreender que a Lei era uma sombra. Escuta o que diz S. Paulo: "Na verdade, a Lei não era mais do que sombra dos bens futuros, não a própria realidade" (He 10,1).
Nesse tempo, Israel "não tinha podido fixar os olhos na glória passageira do rosto de Moisés" ("Co 3,7). "Mas nós, com o rosto descoberto, reflectimos a glória do Senhor e somos transformados de uma glória para uma glória ainda maior, pela acção do Senhor que é Espírito" (v. 18). É por isso que a núvem que cobriu os discípulos com a sua sombra não estava cheia de trevas mas de luz. Com efeito, "o mistério escondido há séculos e através das gerações foi revelado" (Col 1,26) e a glória perpétua e eterna foi manifestada. Eis porque é que Moisés e Elias, um de cada lado do Salvador, personificavam a Lei e os profetas. Aquele que a Lei e os profetas anunciavam é, na verdade, Jesus, o dispensador da vida.
Moisés representa também a assembleia dos santos que outrora adormeceram (Dt 24,5) e Elias, a dos vivos (2R 2,11), porque Jesus transfigurado é o Senhor dos vivos e dos mortos. E Moisés entrou finalmente na Terra Prometida porque é Jesus que aí o conduz. Outrora, Moisés tinha visto apenas de longe a herança prometida (Dt 34,4); hoje vê-a nitidamente.
São João Damasceno, rogai por nós!
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