SACRAMENTOS DE CURA: CONFISSÃO E A IGREJA PRIMITIVA PARTE 01
DIDAQUÊ
Examinemos a Didaquê (60-160 d.C.) considerada um dos mais antigos escritos cristão não-canônicos e que antecede e muito a maioria dos escritos do Novo Testamento. Estudos recentes comprovam que há possibilidade de haver terminado sua composição em 160 d.C. É um excelente testemunho do pensamento da Igreja primitiva. Este documento é particularmente insistente em pedir a confissão dos pecados antes de receber a Eucaristia.
“Na reunião dos fiéis confessarás teus pecados e não te aproximarás da oração com má consciência” (Didaquê XIV).
Na Didaquê temos um claro testemunho histórico oposto a posição protestante de confessar os pecados diretamente a Deus.
CLEMENTE DE ROMA
“Submetam-se aos presbíteros e recebam a correção, de modo que se arrependam” (I Carta aos Coríntios - capítulo 57).
ORÍGENES (185-254 d.C.)
Orígenes foi escritor eclesiástico, teólogo e comentarista bíblico. Viveu em Alexandria até o ano 231, passando os últimos 20 anos de sua vida em Cesareia Marítima (Palestina) e viajando pelo Império Romano. Foi o maior mestre de doutrina cristã de seu tempo e exerceu extraordinária influência como intérprete da Bíblia.
Afirma que depois do batismo há meios para obter o perdão dos pecados cometidos depois dele. Entre eles enumera a penitência:
“(...) Dura et laboriosa per poenitentiam remissio peccatorum, cum lavat peccator in lacrymis stratum suum et fiunt ei lacrymae suae panes die ac nocte, et cum non erubescit sacerdoti domini indicare peccatum suum et quaerere medicinam”.
“Além destas três coisas há também um sétima [razão] dura e trabalhosa: a remissão de pecados por meio da penitência, quando o pecador lava seu travesseiro com lágrimas, quando suas lágrimas são sua vida de dia e de noite, quando não se retém de confessar os seus pecados ao sacerdote do Senhor nem de buscar o remédio, da maneira do que está escrito: ‘Diante do Senhor me acusarei de minhas iniquidades, e tu perdoarás a deslealdade do meu coração’” (Homilia sobre o Salmo 2, 4).
Assim Orígenes admite a remissão dos pecados através da Penitência e da Confissão a um sacerdote. Afirma também que é o sacerdotes quem decide se os pecados devem ser confessados também em público:
“Observa com cuidado a quem confessas teus pecados; põe a prova ao médico para saber se é fraco com os fracos, e se chora com os que choram. Se ele achar que é necessário que teu mal seja conhecido e curado na presença da assembleia reunida, segue o conselho do médico sábio” (Homilia sobre o Salmo 37, 2, 5).
Também reconhece que todos os pecados podem ser perdoados:
“Os cristãos mortos choram como aos que se entregaram à intemperança ou cometam qualquer outro pecado, por que se perdem e morrem para Deus. Mas, se dão provas suficientes de uma sincera mudança de coração, são admitidos de novo no rebanho depois de transcorrido algum tempo (depois de um intervalo maior do que quando foram admitidos a primeira vez) como se tivessem ressuscitado dentre os mortos” (Contra Celso 3, 51).
DECLARAÇÕES DE TERTULIANO
Tertuliano não é considerado um pai da Igreja, mas sim um escritor e apologista eclesiástico, já que no final da sua vida caiu em heresia abraçando o montanismo. Contudo foi muito lido antes de seu abandono da Igreja Católica. Tanto em seu período ortodoxo quanto em seu período herético vemos Tertuliano testemunho sem igual que nos informa sobre a penitência na Igreja.
Quando escreve De Penitentia (aproximadamente no ano 203 d.C., ainda sendo católico). Fala-se de uma segunda penitência que Deus:
“Colocou no salão para abrir a porta aos que chama, mas somente uma vez, por que está já é uma segunda” (De Paenitentia, c.7).
Nos textos de Tertuliano se vê um entendimento transparente de como o crente que caiu em pecado depois do batismo tem necessidade do Sacramento da Penitência e expressa o temor de que isto seja mal interpretado pelos fracos com um meio de seguir pecando e obter novamente o perdão:
"Oh Jesus Cristo, meu Senhor, concede aos teus servos a graça de conhecer e aprender com a minha boca a disciplina da penitência, mas enquanto lhes convém e não para o pecado, em outras palavras, que depois (do batismo) não tenham que conhecer a penitencia e nem pedi-la. Odeio mencionar aqui a segunda, ou por melhor dizer, neste caso, a última penitência. Temo que, ao falar de um remédio da penitência que se tem em reserva, parece sugerir que existe, todavia, um tempo em que se pode pecar. Deus me livre alguém interprete mal meu pensamento, fazendo-os dizer que com esta porta aberta a penitência existe, portanto, agora uma porta aberta ao pecado. (...) Temos escapado uma vez (no batismo). Não vamos entrar mais em perigo, mesmo que nos pareça que ainda escaparemos outra vez" (De Paenitentia, c.7).
“A Igreja pode perdoar o pecado , mas não vou fazer isso (perdoar) para que eles (os que são perdoados) cair em outros pecados.” (Sobre a modéstia, 21,7).
Tertuliano fala de “pedir” a penitência, descartando a ideia de se limitar a uma confissão direta com Deus. Detalhadamente quando afirma que para alcançar o perdão o penitente deve submeter-se a "έξομολόγησις" ou confissão pública, e também cumprir os atos de mortificação (Capítulos 9-12).
O testemunho de Tertuliano prova também que a penitência terminava tal como hoje em dia, como uma absolvição oficial, depois de haver confessado o pecado:
“Esquivar-se deste dever como uma revelação pública de suas pessoas, o que difere de um dia para o outro... Acaso é melhor ser condenado em secreto que perdoado em público?”
No capítulo XII fala-se da eterna condenação que sofrem quem não quiser usar esta “planca salutis”.
Em seu período montanista Tertuliano nega a Igreja o poder universal de perdoar pecados graves (adultério e fornicação) afirmando que a capacidade de perdoar esses pecados só Pedro recebeu e negava que este poder foi transmitido a Igreja. As razões desta negação, não são as razões dos protestantes de hoje, mas eram por causa do caráter rigoroso da doutrina montanista que afirmava que esses pecados eram imperdoáveis.
Assim como ele se retrata do escrito que ele mesmo escreveu De Pudicitia (Sobre a Modestia) quando se vê impelido a enfrentar um bispo que ele chama Pontifex Maximus e Epsicopus Episcoporum (muito possivelmente o Papa Calixto) em virtude de um edito em que se escreve – “Eu perdoo os pecados de adultério e fornicação àqueles que cumpriram penitência” – confirmando assim o poder da Igreja de perdoar pecados mesmo que seja adultério e fornicação. Este edito é outra evidência da posição oficial da Igreja que tem a consciência do poder recebido de Cristo para outorgar o perdão dos pecados.
Tertuliano deixa assim seu testemunho hostil e revoltoso sobre a prática da Igreja numa típica literatura pré-nicena:
“E desejo conhecer teu pensamento, saber que fonte te autoriza a usurpar este direito a ‘Igreja’. Sim, porque o senhor disse a Pedro: ‘Sobre esta Pedra eu edificarei a minha Igreja’, ‘Ti darei as chaves do reino dos céus’, e também: ‘tudo o que desligares na terra será desligado; todo o que ligares será ligado’; tu presumes que depois que o poder se ligar e desligar foi sucedido até você, ou melhor, a toda a Igreja que está em comunhão com Pedro, que audácia a tua de perverter e mudar inteiramente a intenção manifesta do Senhor, que conferiu este poder pessoalmente a Pedro! ” (De Pudicitia, c.21)
REGISTROS DE SÃO CIPRIANO (258 d.C.)
São Cipriano nasceu em torno do ano 200, provavelmente em Cartago, de família rica e culta. Dedicou-se em sua juventude à retórica. O desgosto que sentia diante da imoralidade dos ambientes pagãos contrastado com a pureza de costumes dos cristãos, o induziu a abraçar o Cristianismo por volta do ano 246. Pouco depois, em 248, foi eleito bispo de Cartago. Ele é um claro expositor da consciência da Igreja de haver recebido de Cristo o poder de perdoar pecados. Combate assim a heresia de Novaciano, que negava que havia perdão para quem em tempo de perseguição havia renegado a fé (os apóstatas). Assim, em De opere et eleenosynis disse que quem pecou depois de haver recebido o batismo pode voltar a obter o perdão de qualquer pecado que seja.
Também deixa um testemunho claro do dever de confessar o pecado enquanto é tempo e enquanto essa confissão pode ser recebida pela Igreja:
“Exorto-os, caríssimos irmãos, que cada um confesse seu pecado, enquanto quem pecou vive ainda neste mundo, ou seja, enquanto sua confissão pode ser aceita, enquanto a absolvição e o perdão pode ser outorgado pelos sacerdotes que são agradáveis a Deus” (Os Apóstatas 28; Epistolae 16, 2).
“(...) Pois, se quando se trata de pecados menores fazem penitência os pecadores no devido tempo, e conforme foi ordenado pela disposição disciplinar vêm à confissão e recebem o direito da comunhão pela imposição das mãos do bispo e do clero, agora em tempo difícil, quando ainda dura a perseguição, ainda não tendo sido restaurada a paz à Igreja, são recebidos na comunhão e se oferece ao seu nome, e mesmo sem fazer penitência ou confissão ou ter recebido a imposição das mãos pelo bispo e clero, recebem a Eucaristia, enquanto está escrito: ‘Aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente, será réu do corpo e sangue do Senhor'.
“O apóstolo [Paulo] da mesma forma dá o testemunho e diz: ‘Portanto, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será culpável do corpo e do sangue do Senhor’ (I Coríntios 11, 27). Mas [o impenitente] despreza e ignora todos os avisos; antes de seus pecados serem expiados, antes deles terem feito a confissão de seus crimes, antes das suas consciências terem purgado na cerimônia e na mão do sacerdote... Eles são violentos com o corpo e o sangue, e com suas mãos e boca eles pecam contra o Senhor mais do que quando o negam” (Os Apóstatas 15, 1-3).
ENSINAMENTOS DE SANTO HIPÓLITO MARTIR (235 D.C)
Desconhece-se o lugar e data de seu nascimento, embora se saiba que foi discípulo de Santo Irineu de Lião. Seu grande conhecimento da filosofia e dos mistérios gregos, sua própria psicologia, indica que era do oriente. Até o ano 202 d.C. era presbítero em Roma, onde Orígenes – durante sua viagem a capital do império – o ouviu dar um sermão.
Com a ocasião do problema da remissão na do que haviam apostatado durante uma perseguição, instalou-se um grande conflito que se opôs ao papa Calixto, pois Hipólito se mostrava rigoroso neste assunto, embora não negava o poder da Igreja para perdoar os pecados. Tão forte foi o enfrentamento que Hipólito se separou da Igreja e, eleito bispo de Roma por um reduzido círculo de partidários, se tornou assim o primeiro antipapa da história. O cisma de prolongou após a morte de Calixto, durante o pontificado de seus sucessores Urbano e Ponciano. Terminou no ano de 235 d.C., com a perseguição de Maximiano, que baniu o Papa legítimo (Ponciano) e a Hipólito para as minas de Cerdenha, em que se reconciliaram. Ali os 2 renunciaram ao pontificado, para facilitar a pacificação da comunidade Romana, que deste modo pôde eleger um novo Papa e dar por terminado o cisma. Tanto Ponciano como Hipólito morreram no ano de 235 d.C.
Hipólito é uma excelente testemunha de como a Igreja estava consciente de sua própria autoridade de perdoar pecados, já que, embora sendo intransigente, não nega a faculdade da Igreja para a absolvição. Prova disto está na A Tradição Apostólica – Αποστολική παράδοσις, em que nos deixa um testemunho indiscutível quando reproduz ali a oração para a consagração de um bispo:
“Pai que conhece os nossos corações, concede a este teu servo que foi eleito para o episcopado… Que em virtude do Espírito do Sacerdócio soberano tenha o poder de ‘perdoar os pecados’ segundo teu mandamento; que ‘distribua as partes’ segundo tua disposição, e que ‘desate todos os laços’, segunda a autoridade que destes aos apóstolos” (Tradição apostólica, 3).
Particularmente importante este testemunho, já que a Tradição apostólica é a fonte de um grande número de constituições eclesiásticas orientais, o que confirma a dita consciência estava bem presente em toda a Igreja.
fonte: ARRAIZ, José Miguel. Os Pais da Igreja e a confissão.
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